quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Ana, dor e solidão


Fazia dois dias que seu cabelo começara a cair. Há uma semana Ana havia raspado a cabeça, ela mesmo, na frente do espelho, com uma dessas máquinas de cortar cabelo, que pegou emprestada com o primo João. Não gostou do resultado final, mas pensou que seria melhor assim, sem o choque de ver seus cabelos caindo em tufos.
A quimioterapia a deixava cansada, como se tivesse uma grande ressaca, mesmo sem ter bebido nada. Tenho que ser forte, ela pensava. Só os fortes sobrevivem. Mas Ana não sabia se sobreviveria.
É câncer, disse o médico, grave e direto. Ela tentou saber das opções, se tinha tratamento, quantos meses de vida. Benigno é bom?
Ana teve uma vida agitada. Gostava de festas, estava sempre alegre e se orgulhava de não dar a mínima para nada. Teve amantes. Vários. Toscos, machistas e arrogantes, mas bonitos - e ela sabia usar enquanto era usada. Hoje ela pensa se fez falta alguma intimidade maior, quem sabe alguém para segurar a mão nesse momento...
Mesmo sendo difícil ela tentava não se abater, mas uma vida inteira para acabar assim, sozinha, sem cabelos e chorando por qualquer coisa... Tenho que ser forte, ela pensava.
Hoje faz dois anos que Ana morreu. Nos últimos dias de vida ela pesava menos de 40 kilos e quase não conseguia mais se comunicar, mas, com suas últimas forças, ela conseguiu dizer que




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Escrevi esse conto em algum momento de 2010. Ontem achei ele perdido em uma pasta do meu computador e pensei que talvez esse não precise morrer inédito.

5 comentários:

  1. Esse finalzinho misterioso... muito Caio Fernando Abreu! :))

    Muito legal, Young, acho que deverias trazer mais contos à tona.

    Abraço!

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  2. O pior, Freak, foi que tentei de tudo que é jeito mudar o final pra não ficar tão Caio F. e nunca consegui.

    O que tinha pra ser dito ali só podia ser dito assim.

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  3. Porra, Caio Fernando Abreu, tua avenca partiu mas continuas influenciando pessoas a nos deixar eternamente curiosos :(

    Gostei do texto, porrada, mas leve ao mesmo tempo. Tô surpreso, não sabia dessa verve contista (letrista já é conhecido), tomara que o blog ajude a sair mais coisa da gaveta...

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  4. Thanks, Paulo!

    A ideia não era deixar curiosidade, mas não quero falar sobre isso, legal que causou alguma sensação. :)

    As outras coisas da gaveta são muito ruins. Só vai vir mais algo do tipo se passar pelo filtro "eu teria vergonha de mostrar pro Bukowski?", huasihiauhisa

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  5. Poxa... teu critério anda alto hein! Velho "Buco"! =D Na real teu texto só está "se comunicando" com a avenca... hehe

    congratulaciones! =D

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