quinta-feira, 29 de março de 2012

You say you want a revolution...



Já faz um tempo que eu queria escrever mais detalhadamente sobre essa foto. Primeiro porque acho que é preciso ter mais cuidado com a informação que recebemos na rede e não aceitar tudo como verdade. É preciso fé cega e pé atrás, como dizia o outro. Segundo porque Lennon e Che são figuras antagônicas e essa aproximação entre os dois é criação memética absurda.

Vamos do início.

O que dizem os believers:

Chicago, 11 de agosto de 1966. John Lennon havia se refugiado em um estúdio de gravação para dar uma relaxada. Ele estava sobre pressão. Tinha acabado de sair de uma coletiva à imprensa sobre o escândalo debelado em função da polêmica declaração feita ao London Evening Standard (Nos Estados Unidos a notícia chegou pela revista Datebook) em março daquele ano, quando disse que os Beatles eram mais famosos que Jesus Cristo. A declaração originou o veto de suas músicas em várias estações de rádio dos Estados Unidos.

Naquele 11 de agosto, Lennon estava compenetrado com sua guitarra nas mãos. Quando levantou os olhos viu à sua frente uma outra figura, de cabelos longos e que, como ele, também tinha sonhos de liberdade. Guevara não sabia cantar, mas pegou a guitarra e cantou, ou melhor, gritou canções sobre os oprimidos e as causas justas. John o escutou sem dizer uma palavra. E assim como chegou, Che se foi.

Nem John, nem Ernesto jamais comentaram nada sobre este estranho encontro. Hoje se conhece a existência daquele mini concerto secreto e alguns se aventuram a dizer que esse encontro marcou definitivamente a produção artística de John. Outros dizem escutar fragmentos daqueles “cantos” de Che em “Revolution #9”, do álbum branco dos Beatles.



Os fatos ou "o que a vida separa o photoshop reúne":

A foto é criação de Guerry Moreno e faz parte de uma série chamada "political humor", que cria encontros impossíveis, como o de Bush e Ahmadinejad:


Outra prova de que a foto é falsa: Lennon em 1966 ainda usava franjinha. O visual dele na foto é da década de 70.

Pra piorar tudo eu sou guitarrista, e guitarrista é o bicho mais detalhista que existe na Terra quando algo envolve uma guitarra. Pois bem: A guitarra da foto é uma fender telecaster, mas o Lennon só começou a usar telecasters nas gravações do álbuns Mind Games, que é de 1973. Che já era morto nesse ano.

E o Lennon nem usou muitas telecasters, ao vivo tem ele tocando com uma naquele show com o Elton John (em 74) e só. E nem era essa tele branca da foto, mas uma preta. Fica bem fácil "mapear" a coisa.

Uma foto dele tocando com uma teleca, na mesma "sessão com o Che" (que por trás do photoshop era o George):




Pesquisando um pouco mais, em fóruns de guitarra, consegui descobrir ainda que o dono da telecaster era o Rick Nielsen, guitarrista do Cheap Trick (truque barato, bem a calhar com o assunto). Até encontrei um texto dele falando sobre quando emprestou a teleca pro Lennon: http://bit.ly/H2xTd3

O texto é em inglês, mas tira de vez a dúvida: a foto é do final da década de 70, época de gravação do Double Fantasy, que foi lançado em 1980.




Mas o que mais me incomodou nisso tudo foi que forjaram uma aproximação que julgo impossível, entre duas figuras que pra mim são claramente opostas. 

Enquanto Lennon cantava: 
Nada pelo que lutar ou morrer
E nenhuma religião também
Imagine todas as pessoas
Vivendo a vida em paz

Che espumava: 
O ódio como fator de luta, o ódio intransigente ao inimigo, que impulsiona para além das limitações naturais do ser humano e o converte em uma efetiva, violenta, seletiva e fria máquina de matar.*

*Fonte:  Che Guevara: Textos Políticos, editora Global, 2009.



Enfim, we all want to change the world, mas existem revolucionários e revolucionários.

Eu prefiro esses:


Um comentário:

  1. bah, ótima explanação!

    nem sabia que rolava essa imagem por aí, que viagem...

    não sei de onde tu tirou o texto dos "believers", mas aquilo ali escorre vermelhismo acerebrado hahaha ainda se a foto fosse verdadeira (impossível, óbvio), o relato do fato seria uma merda panfletária...

    Baita texto (o teu, claro)!

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