terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Wasteland II


Rio Grande, Terra Devastada, 22 de janeiro de 2013.


Rio Grande é uma cidade estranha. Pra qualquer lado que se caminhe se encontra água, o céu é grande, o cheiro é de mar.


O André Takeda, que é escritor, descreve melhor que eu:

"Se você não conhece o litoral gaúcho, ouça o meu conselho. Não conheça. É o litoral mais feio de toda a costa brasileira. Até poderia usar outro adjetivo. Mas fazer o quê? É feio mesmo. Muito feio. Todas as praias são de mar aberto e a água sempre oscila entre as cores marrom-escuro e chocolate. E por que, afinal, o litoral do Rio Grande do Sul lota no verão? Por causa do reencontro com as amizades da infância. por causa dos bares e suas mesas de rua. Por causa dos namoros de férias. Você pode ter centenas de motivos para ir à praia, menos o mar." TAKEDA, André. Cassino Hotel. Rio de Janeiro: Rocco, 2004, p. 38.


E essa praia feia, esse tempo ruim, a falta de atividades culturais de um povo essencialmente operário, entre outros motivos, deve ser o que faz Rio Grande ter tantas bandas. E tantas bandas de rock. É Seatle. É Liverpool.

Uma cidade que tem The Sorry Shop, TNER e Outdate. Que já teve Sex Bomb Boogie, Caos Social, Pesadelo 136, The Dirt, Azul Revés, Aberdeen, Rajneesh, etc.


Mas também uma cidade que nunca valorizou seus músicos. Que já matou várias bandas que tinham potencial. Um cidade em que há ódio pairando e que os músicos vivem ilhados em guetos estéticos.


Aí a Festa do Mar, evento que deveria prestigiar as coisas da terra, resolve dar um tapa na cara definitivo em quem insiste em tentar fazer arte nesse canto de mundo. Segundo eles cachê é pros fracos, músico local tem que tocar pra divulgar o trabalho, e quem sabe na próxima ganha uma ajuda de custo.

O que eu penso sobre isso?
Qual é a minha opinião?
Vão pra puta que pariu! Ajuda de custo é meu ovo.

Ajuda de custo?



E quem abaixar as calcinhas e tocar é pelego. É pau no cu e tem que ficar marcado, pra todo mundo saber que é coxinha. Se ainda por cima tiver a ousadia de se identificar como roqueiro, aí mesmo que precisa ser ridicularizado, porque não é.

Rock é com o The Who, não com paspalhos.

"se grita pedindo verdade em vez de socorro
se compromete-se com uma coragem que não está seguro de possuir
se levanta-se para apontar uma injustiça
mas não pede sangue para redimi-la,
então é rock'n'roll"

Pete Townshend



Enfim, caso a cousa não mude de figura, a proposta é um boicote sonoro, com bastante divulgação negativa pra feira. Não são eles que gostam da ideia de divulgação grátis? Vão ter.

Arte de Law Tissot, nosso profeta sobrevivente de Rio Grande


Deixo, então, meu obrigado aos administradores da Festa do Mar. Conseguiram unir os músicos de Rio Grande, algo que eu considerava impossível.

Agora nos paguem o que é justo.





O vídeo mais bonito do youtube, pra (tentar) animar:





Rio Grande, I love you 
but you're bringing me down.

5 comentários:

  1. Cara, eu só discordo do Takeda, até acho as praias do litoral norte estranhas, mas o Cassino, e, principalmente, a praia acima do Mar Grosso são únicas em toda sua infinita monotonia. Uma das cenas mais belas que já presenciei foi justamente uma grande ressaca, onde as ondas de água lamacenta quebravam já na face das dunas, junto a uma forte ventania e o frio congelante do inverno. E dias de sol intenso e mar transparentemente morno na praia do mar grosso.

    No mais, tem que fuder mesmo com essa festa do mar.

    Abraço

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    1. Eu concordo contigo, Vinicius.

      Mas parece que a opinião geral sobre praias é diferente da nossa, hehe.


      Abraço!

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    2. Com certeza, quem se criou acostumado com paisagens fofuchas de cartões postais, dificilmente entenderá esse ambiente selvagem. :)

      Abraço

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  2. Baita texto, Luiz! Só discordo num ponto: RGE, com sua população operária desde o inicio do século XX, tinha sim a cultura como pertencimento desses mesmos operários (vide Uniao Fabril, Caixeral, Braço é Braço, etc), bem como uma imprensa operária pioneira e outros movimentos. Operariado não é sinônimo, propriamente, de dissolução cultural. Só em tempos de mão-de-obra massificada e de ensino desumanizado (obrigado, ditadura, pela cagada). Grande abraço e têm meu apoio nessa.

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    1. Eu não discordo de nada do que tu falou, Lizandro. Talvez eu não tenha é conseguido deixar claro (e tentei ser conciso, então é um pouco difícil), que considero Rio Grande uma cidade tão focada em trabalho que o consumo de cultura é deixado um pouco de lado. Não é que não exista, mas pra mim acho que é considerado algo menor, um supérfluo - tanto que até hoje ainda temos poucas opções para quem quer consumir atividades culturais na cidade.

      E essa questão é ainda mais gritante quando se é adolescente, com pouca grana. Aí o que sobra, pra se divertir, é fazer uma banda (mesmo que praticamente imaginária). E me parece que por muito tempo as coisas são assim por aqui.

      Não sou do time que considera cultura popular algo pior.

      Abraço!

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